dez poemas do mundo a pensar na natureza e na primavera, em apoio à exposição
Os Nossos Ecossistemas apresentada por alunos de Ciências da Natureza do 8.ºano:
América do Norte,
Navajos
Água
A
água correndo, essa água correndo!
Atravessou-a
o meu espírito.
A
água vasta, essa água correndo!
Atravessou-a
o meu espírito.
A
água antiga, essa água correndo!
Atravessou-a
o meu espírito.
versão: Herberto Helder
Rosa do Mundo 2001
Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 147
América, Aztecas
Canto da primavera
Na casa da pintura
começa a cantar,
ensaia o canto,
derrama flores,
alegra o canto.
Ressoa o canto,
os guizos fazem-se ouvir,
a eles respondem
nossas sonalhas floridas.
Derrama flores
alegra o canto
Sobre as flores canta
o belo faisão,
o seu canto solta-se
no interior das águas.
A ele respondem
vários pássaros vermelhos,
o belo pássaro vermelho
maravilhosamente canta.
Livro da pintura é o teu coração,
vieste cantar,
fazes ressoar os teus tambores,
tu és o cantor.
No interior da casa da Primavera,
alegras toda a gente.
Na casa da pintura
começa a cantar,
ensaia o canto,
derrama flores,
alegra o canto.
Ressoa o canto,
os guizos fazem-se ouvir,
a eles respondem
nossas sonalhas floridas.
Derrama flores
alegra o canto
Sobre as flores canta
o belo faisão,
o seu canto solta-se
no interior das águas.
A ele respondem
vários pássaros vermelhos,
o belo pássaro vermelho
maravilhosamente canta.
Livro da pintura é o teu coração,
vieste cantar,
fazes ressoar os teus tambores,
tu és o cantor.
No interior da casa da Primavera,
alegras toda a gente.
Tu só ofereces
flores que embriagam,
flores preciosas.
Tu és o cantor.
No interior da casa da Primavera,
alegras toda a gente.
Trad: José Agostinho Baptista
Rosa do Mundo 2001
Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 165-166
China, Shijing (Livro
de cantares)
(1000-600 a.C.)
O rosmaninho dos montes
Há rosmaninho nos
montes,
Na planície há flor
de lótus.
Em não vendo a tua casa,
Fora me sinto de mim.
Pinheiro esguio no
monte,
A sempre-noiva nas
baixas.
Se não te vejo à vontade,
Até fico mesmo brava.
Trad: Joaquim Guerra
Rosa do Mundo 2001
Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 493-4
China, Meng Hao Jan
(688-740)
Amanhecer primaveril
Meu sono primaveril esqueceu
a aurora –
Já de toda a parte as aves cantam.
O vento e a chuva
pelejaram esta noite –
Quem sabe agora quantas flores tombaram?
Trad José Blanc de Portugal
Rosa do Mundo 2001
Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 547
Japão, Imperatriz Eifuku Mon’in
(1271-1342)
Penetrando até ao meu quarto,
o perfume das
flores
em noites de primavera
entra pela
janela
com o velado
luar.
Trad Stephen Reckert
Rosa do Mundo 2001
Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 729
Itália Giosue Carducci
(1835-1907)
Atravessando a mesma Toscana
Doce e forte país,
que radicaste em mim
o carácter altivo e o canto desdenhoso;
o carácter altivo e o canto desdenhoso;
em meu peito, onde existe ódio e amor sem
fim,
gosta de te evocar, meu coração saudoso…
bem reconheço em ti a minha querida
terra,
de
grave olhar incerto, entre o sorriso e o pranto,
nela, minh’alma em sonho, altiva se
desterra
atrás da mocidade e
presa ao seu encanto!
Quanta coisa eu amei, e que eu sonhei em
vão!
Sempre, sempre a correr … e sem ao fim
chegar.
E ao final cairei… Mas ao meu coração
de longe dizem – Paz!
– tuas doces colinas,
com a névoa esfumada
e o verde a ondular,
ridente, no frescor das chuvas matutinas…
Trad. Clotilde Mateus
Rosa do Mundo 2001 Poemas
para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 1097
José Régio
(1901-1969)
Elegia
Florescia
A pionia
De anos em anos, apenas.
Se a primavera
Era
Fria,
Mal se erguia
O caule das açucenas.
Rastejavam as verbenas…
Mas uma flor sempre havia
Que era a que mais recendia:
Lembras-te, ao dar meio-dia,
Postas, tuas mãos morenas…?
Às quais sagro esta elegia.
Rosa do Mundo 2001
Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 1413
Países-Baixos, M.
Vasalis
(1909-1998)
A uma árvore no Vondelpark
Uma árvore de longas
tranças verdes foi derrubada.
Suspirou como uma
criança, numa murmuração,
enquanto caía, cheia
ainda de ventos de verão.
Eu vi a
carreta em que era puxada.
Oh, como Heitor no
carro da vitória, um jovem moço,
cabelos arrastando e um perfume de
juventude
que de belas feridas lhe escorria,
a jovem cabeça ainda sadia,
o tronco indomado ainda, garboso.
Trad: Fernando Venâncio
Rosa do Mundo 2001
Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 1495
Roménia Marin Sorescu
(1936-1995)
Caminho florestal
Abeto, faia,
Vidoeiro, bordo –
O monte baixa ao vale
Em planícies esfoladas.
Quanto odeio o caminho florestal,
Esta senda esburacada,
Estes camiões
Que transportam a mata
Presa em correntes.
Escoam sob outros céus
Vigas que aguentaram a abóbada celeste,
Umbrais, alicerces, aros de porta,
Cajado de zagal
Pastoreando nossa Língua.
E atrás cresce
Monte de serradura:
Sai à primeira chuva,
Vai ao primeiro vento.
Abeto, faia…
A serra trabalha, eléctrica
Milhentos círculos de árvore cortam as veias
A «doina» tem hemorragia,
Desmaia o passado.
Com cada árvore fulminada
Cai em nossos ombros
Um farrapo azul do céu.
Trad: Doina Zugravescu
Rosa do Mundo 2001
Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 1757
África Austral,
Akwapim
A separação do céu e da terra
No princípio das coisas, a quem
queria peixe bastava furar o céu com uma vara e a pesca caía na terra como se
de chuva se tratasse. Mas, um dia, uma mulher que preparava fufu numa murteira,
ao sentir que a proximidade do seu amante, o céu, lhe estorvava os movimentos,
disse: «Sobe um pouco, amigo céu. Não consigo sequer mover o meu pilão à
vontade. Como me poderei alimentar e contemplar-te?» Compreensivo, o céu
obedeceu ao pedido da sua amante e fez-se subir. Desde então, os homens podem
mover-se livremente pelas paisagens da terra.
Trad: Manuel João Magalhães
Rosa do Mundo 2001
Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 46
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