Vidas (Im)prováveis
MARIA
Maria. Nome que os meus pais
ousaram dar-me. 67 anos e aqui estou eu, sentada na minha modesta casa ainda a
escrever.
Toda a minha vida foi feita de
altos e baixos, como todas as outras , certamente.
Dei por mim a tentar recordar
as minhas vivências de infância e a escrevê-las. Gostava de escrever sobre uma
infância cheia de alegria, animação, magia e aventuras. Porém, tudo o que vem
da minha história é contraditório. Gritos, pratos e copos a partir, discussões
acesas e silêncios sombrios. É triste mas é o que me marca até hoje. É
assustador e nada mágico, confesso. Sempre quis escrever, aliás sempre escrevi.
Com os problemas vividos em casa, a única coisa que me permitia voar em
pensamentos para outro lugar era a escrita, e ainda hoje o é. Lembro-me do meu
caderno azul cheio de flores e do modesto lápis, provavelmente os objetos mais
alegres e mágicos que tive na minha infância. Nele escrevia as histórias que
sempre quis viver. Sonhava ter uma casa grande com um parque, um cão e um belo
jardim. Sonhava ser uma menina feliz que vivia aventuras nas traseiras da sua
casa. E sempre sonhei um dia ser escritora. Mas não passou de um sonho, aquele
sonho de ser uma escritora reconhecida pelas pessoas. As minhas histórias ainda
hoje estão guardadas no canto da arrecadação. Mas como é nostálgico e
assustador rever momentos do passado!...
Deixei de me importar com os
problemas que sempre me acompanharam desde cedo e me obrigaram a crescer cedo
demais, o que não me permitiu viver com os meus príncipes, princesas e reinos
encantados. Aprendi que a vida não pode ser escrita a lápis, os nossos erros e
os maus momentos também não podem ser apagados, nem mesmo com a melhor
borracha. Nós somos a caneta e a tinta permanente que escreve a nossa própria
vida, a nossa própria história, os nossos erros e as nossas vitórias. Foi a
partir do momento em que escrevi a minha primeira vitória que passei a viver
feliz.
Hoje, estou na minha casa, no meu
jardim cheio de flores, e com o meu cão a viver mais uma aventura. Apesar de
envelhecidas e fracas, as minhas mãos permanecem a escrever, melhor que ontem e
pior que amanhã.
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