2019-11-08

No aniversário de Jorge de Sena




Não sou daqueles cujos ossos se guardam,
nem sou sequer dos que os vindouros lamentam
não hajam sido guardados a tempo de ser ossos.

Igualmente não sou dos que serão estandartes
em lutas de sangue ou de palavras,
por uns odiado quanto me amem outros.

Não sou sequer dos que são voz de encanto,
ciciando na penumbra ao jovem solitário,
a beleza vaga que em seus sonhos houver.

Nem serei ao menos consolação dos tristes,
dos humilhados, dos que fervem raivas
de uma vida inteira a pouco e pouco traída.

Não, não serei nada do que fica ou serve,
e morrerei, quando morrer, comigo.

Só muito a medo, a horas mortas, me lerá,
de todos e de si se disfarçando,
curioso, aquel' que aceita suspeitar
quanto mesmo a poesia ainda é disfarce da vida.

Jorge de Sena, Post-Scriptum, 1954
in Poesia I, Lisboa : Edições 70, 1988, p.216

No dia 2 de novembro de 1919 (quatro dias antes de Sophia) nascia Jorge de Sena. 
Comemoramos o seu centenário com uma exposição de obras do nosso fundo documental, evidenciando a diversificada atividade do poeta, escritor de romances e de contos, tradutor, ensaísta e crítico literário.


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