Sobre todo o campo, antes tão bonito e alegre, com as baionetas cintilantes e os vapores do sol da manhã, pairava agora uma bruma de humidade e de fumo e sentia-se agora um estranho cheiro ácido a salitre e a sangue. Formaram-se pequenas nuvens e começou a chuviscar, uma chuva miudinha sobre os mortos, sobre os feridos, sobre os amedrontados, sobre os extenuados e os hesitantes, como que a dizer: «Chega, chega, homens. Parem... Reconsiderem. O que estão vocês a fazer?»
Homens exaustos, sem comida, de uma e de outra parte, começavam igualmente a ter dúvidas sobre se deviam ainda exterminar-se uns aos outros, e em todos os rostos se notava a hesitação, e em cada alma se erguia igualmente a pergunta: «Porquê, para quem hei de eu matar e ser morto? Matem quem quiserem, façam o que quiserem, mas eu não quero mais!»
Este pensamento, ao anoitecer, amadureceu de igual modo no espírito de cada um. A qualquer momento todos aqueles homens podiam horrorizar-se com o que estavam a fazer, abandonar tudo e fugir para onde calhasse.
Lev Tolstoi, Guerra e Paz, volume II (1869), Lisboa: Relógio d’Água, 2013, p.235