2021-04-23

25

 

No próximo domingo:
 
 
Preparava-me há pouco para entrar no sono pela emoliente alameda dos versos de Ben Ammar de Silves quando a brusquidão de um telefonema golpeou a elanguescente evocação da amada posta em gazela a olhar com narcisos. É a voz convulsa de um amigo. Entre afogueadas reticências anuncia-me um estouro de acontecimentos nos quais põe o sublinhado categórico de uma revolução: tanques no Terreiro do Paço; colunas militares sobre Lisboa; movimentos de tropas em vários pontos do país […]
São 6.45. As marchas militares são cortadas pelo emissor de Comando das F.A. e inicia-se uma transmissão de canções proibidas. […] Abro a janela. Rompe a estrela da manhã.
 
Natália Correia, Não percas a rosa, Lisboa, Dom Quixote, 1978, pp.11-18
 
A ler ou a requisitar na biblioteca da Secundária.

 

Miúdos a votos

 


 

Miúdos a Votos
na próxima terça-feira, dia 27, os alunos dos diversos níveis de ensino vão eleger o seu livro preferido. Tempos de antena em podcast podem ser ouvidos a partir daqui
 

23 de Abril: dia do livro


 

2021-04-17

Da doença que nos cerca, Mário Cláudio

 

O pintor modernista Amadeo de Sousa Cardoso (1887-1918) é uma das vítimas da pneumónica. A sua biografia é ficcionada por Mário Cláudio na obra Amadeo (Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores de 1984), primeiro dos três livros que publicará sobre figuras do Norte português (além de Amadeo, Guilhermina Suggia e Rosa Ramalho) reunidos em Trilogia da mão, Dom Quixote:1993. 

No excerto do romance escolhido, a doença começa a aproximar-se:

 

O vírus da pneumónica alastra já por Manhufe, acobertado à modorra dos pântanos, retido no hálito dos matagais, enleado nos bardos úberes de cachos, por que é esse o mês de Setembro. O alarme se dá, sobretudo, entre os ilustrados na leitura dos periódicos, titulares da terra, que no meio dos campesinos a morte é convívio de todas as horas. E o pânico em que soçobra Amadeo, nesse pronúncio da irrealização da fantasia acalentada, é opressão que se abstém de transmitir, possuído do fantasma ainda da virilidade, que só o desabafo lhe permite como fundamento da recuperação da força. Circulam as notícias pelo telégrafo, há acenos de amigos longínquos que vão tombando, intoleráveis expectativas de que decorra o tempo da incubação. A casa da Dona Ana Guedes, respeitabilíssima matrona local, vereadora e filantropa, foi já convertida em hospital. Com o máximo dos zelos se marcam talheres e roupa branca, que a seguir se escaldam em água fervente, ainda assim cheirados pelo homem que em tudo suspeita a presença minante. Fica-se pelo quarto, de gelosias cerradas, no atelier, outras vezes, com uma espátula entre os dedos, fitando a tela deserta, na mais concentrada imobilidade.

 

Mário Cláudio, Amadeo, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, pp.107-108

2021-04-05

Recomeçamos

 Voltamos à escola. 

A biblioteca, nesta primavera que se vê das nossas janelas, está aberta. Para já para os alunos do 3.º ciclo, mas esperamos que no dia 19 tenhamos também os alunos do secundário. 

 

 


Abrimos hoje  o espaço físico da biblioteca e aqui deixamos um poema de Gastão Cruz de um livro do nosso fundo documental:

 

Não cantes o meu nome em pleno dia

não movas os seus ásperos motivos

sob a luz dolorosa sob o som 

da alegria

 

Não movas o meu nome sob as tuas

mãos molhadas do choro doutros dias

não retenhas as sílabas caídas

do meu nome da tua boca extinta

 

Não cantes o meu nome a primavera

já o ameaça hoje principia

a vida do meu nome não o cantes

com a tua alegria 

Gastão Cruz, «Imagem da linguagem, 7» in «Teoria da fala», Poemas reunidos, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999, p.173