2014-06-26

O que eles escrevem

Reproduzimos um texto publicado no último jornal Às Avessas, página 8, da autoria de A.M. do 10.º I:

Vidas (Im)prováveis
MARIA
Maria. Nome que os meus pais ousaram dar-me. 67 anos e aqui estou eu, sentada na minha modesta casa ainda a escrever.

Toda a minha vida foi feita de altos e baixos, como todas as outras , certamente.
Dei por mim a tentar recordar as minhas vivências de infância e a escrevê-las. Gostava de escrever sobre uma infância cheia de alegria, animação, magia e aventuras. Porém, tudo o que vem da minha história é contraditório. Gritos, pratos e copos a partir, discussões acesas e silêncios sombrios. É triste mas é o que me marca até hoje. É assustador e nada mágico, confesso. Sempre quis escrever, aliás sempre escrevi. Com os problemas vividos em casa, a única coisa que me permitia voar em pensamentos para outro lugar era a escrita, e ainda hoje o é. Lembro-me do meu caderno azul cheio de flores e do modesto lápis, provavelmente os objetos mais alegres e mágicos que tive na minha infância. Nele escrevia as histórias que sempre quis viver. Sonhava ter uma casa grande com um parque, um cão e um belo jardim. Sonhava ser uma menina feliz que vivia aventuras nas traseiras da sua casa. E sempre sonhei um dia ser escritora. Mas não passou de um sonho, aquele sonho de ser uma escritora reconhecida pelas pessoas. As minhas histórias ainda hoje estão guardadas no canto da arrecadação. Mas como é nostálgico e assustador rever momentos do passado!...

Deixei de me importar com os problemas que sempre me acompanharam desde cedo e me obrigaram a crescer cedo demais, o que não me permitiu viver com os meus príncipes, princesas e reinos encantados. Aprendi que a vida não pode ser escrita a lápis, os nossos erros e os maus momentos também não podem ser apagados, nem mesmo com a melhor borracha. Nós somos a caneta e a tinta permanente que escreve a nossa própria vida, a nossa própria história, os nossos erros e as nossas vitórias. Foi a partir do momento em que escrevi a minha primeira vitória que passei a viver feliz.

Hoje, estou na minha casa, no meu jardim cheio de flores, e com o meu cão a viver mais uma aventura. Apesar de envelhecidas e fracas, as minhas mãos permanecem a escrever, melhor que ontem e pior que amanhã.

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