2015-03-17

palavras do mundo


dez poemas do mundo a pensar na natureza e na primavera, em apoio à exposição
Os Nossos Ecossistemas apresentada por alunos de Ciências da Natureza do 8.ºano:



América do Norte, Navajos
Água
A água correndo, essa água correndo!
                                                    Atravessou-a o meu espírito.
                                                    A água vasta, essa água correndo!
                                                    Atravessou-a o meu espírito.
                                                    A água antiga, essa água correndo!
                                                    Atravessou-a o meu espírito.

versão: Herberto Helder
Rosa do Mundo 2001 Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 147


América, Aztecas
Canto da primavera




Na casa da pintura


começa a cantar,

ensaia o canto,


derrama flores,


alegra o canto.


Ressoa o canto,


os guizos fazem-se ouvir,

a eles respondem


nossas sonalhas floridas.


Derrama flores


alegra o canto


Sobre as flores canta


o belo faisão,


o seu canto solta-se


no interior das águas.




  A ele respondem


vários pássaros vermelhos,


o belo pássaro vermelho


maravilhosamente canta.





Livro da pintura é o teu coração,


vieste cantar,


fazes ressoar os teus tambores,

tu és o cantor.


No interior da casa da Primavera,


alegras toda a gente.



Tu só ofereces


flores que embriagam,


flores preciosas.


Tu és o cantor.


No interior da casa da Primavera,


alegras toda a gente.

Trad: José Agostinho Baptista 
Rosa do Mundo 2001 Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 165-166



China, Shijing (Livro de cantares)
(1000-600 a.C.)
O rosmaninho dos montes

Há rosmaninho nos montes,
Na planície há flor de lótus.
             Em não vendo a tua casa,
             Fora me sinto de mim.

Pinheiro esguio no monte,
 A sempre-noiva nas baixas.
                                                             Se não te vejo à vontade,
                                                            Até fico mesmo brava.
Trad: Joaquim Guerra
Rosa do Mundo 2001 Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 493-4




China, Meng Hao Jan
(688-740)
Amanhecer primaveril
Meu sono primaveril esqueceu a aurora –
             Já de toda a parte as aves cantam.
O vento e a chuva pelejaram esta noite –
     Quem sabe agora quantas flores tombaram?

Trad José Blanc de Portugal
Rosa do Mundo 2001 Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p.  547



Japão, Imperatriz Eifuku Mon’in
 (1271-1342)

Penetrando até ao meu quarto,
          o perfume das flores
          em noites de primavera
          entra pela janela
          com o velado luar.

Trad Stephen Reckert
Rosa do Mundo 2001 Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 729



Itália Giosue Carducci
(1835-1907)

Atravessando a mesma Toscana

Doce e forte país, que radicaste em mim
o carácter altivo e o canto desdenhoso;
  em meu peito, onde existe ódio e amor sem fim,
     gosta de te evocar, meu coração saudoso…

      bem reconheço em ti a minha querida terra,
                de grave olhar incerto, entre o sorriso e o pranto,
       nela, minh’alma em sonho, altiva se desterra
  atrás da mocidade e presa ao seu encanto!

      Quanta coisa eu amei, e que eu sonhei em vão!
        Sempre, sempre a correr … e sem ao fim chegar.
            E ao final cairei… Mas ao meu coração

de longe dizem – Paz! – tuas doces colinas,
com a névoa esfumada e o verde a ondular,
           ridente, no frescor das chuvas matutinas…


Trad. Clotilde Mateus
Rosa do Mundo 2001 Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 1097




José Régio
(1901-1969)
Elegia

  


Florescia


A pionia


De anos em anos, apenas.


Se a primavera


Era


Fria,

Mal se erguia


O caule das açucenas.


Rastejavam as verbenas…


Mas uma flor sempre havia


Que era a que mais recendia:


Lembras-te, ao dar meio-dia,


Postas, tuas mãos morenas…?




Às quais sagro esta elegia.

Rosa do Mundo 2001 Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 1413



Países-Baixos, M. Vasalis
(1909-1998)
A uma árvore no Vondelpark

       Uma árvore de longas tranças verdes foi derrubada.
    Suspirou como uma criança, numa murmuração,
enquanto caía, cheia ainda de ventos de verão.
         Eu vi a carreta em que era puxada.

         Oh, como Heitor no carro da vitória, um jovem moço,
                   cabelos arrastando e um perfume de juventude
                   que de belas feridas lhe escorria,
                   a jovem cabeça ainda sadia,
                  o tronco indomado ainda, garboso.
Trad: Fernando Venâncio
Rosa do Mundo 2001 Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 1495



Roménia Marin Sorescu
(1936-1995)
Caminho florestal
                                                                         


Abeto, faia,


Vidoeiro, bordo –


O monte baixa ao vale


Em planícies esfoladas.


Quanto odeio o caminho florestal,


Esta senda esburacada,


Estes camiões


Que transportam a mata


Presa em correntes.





Escoam sob outros céus


Vigas que aguentaram a abóbada celeste,


Umbrais, alicerces, aros de porta,


Cajado de zagal


Pastoreando nossa Língua.





E atrás cresce


Monte de serradura:


Sai à primeira chuva,


Vai ao primeiro vento.





Abeto, faia…


A serra trabalha, eléctrica


Milhentos círculos de árvore cortam as veias


A «doina» tem hemorragia,


Desmaia o passado.





Com cada árvore fulminada


Cai em nossos ombros


Um farrapo azul do céu.


Trad: Doina Zugravescu
Rosa do Mundo 2001 Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p.  1757



África Austral, Akwapim

A separação do céu e da terra

No princípio das coisas, a quem queria peixe bastava furar o céu com uma vara e a pesca caía na terra como se de chuva se tratasse. Mas, um dia, uma mulher que preparava fufu numa murteira, ao sentir que a proximidade do seu amante, o céu, lhe estorvava os movimentos, disse: «Sobe um pouco, amigo céu. Não consigo sequer mover o meu pilão à vontade. Como me poderei alimentar e contemplar-te?» Compreensivo, o céu obedeceu ao pedido da sua amante e fez-se subir. Desde então, os homens podem mover-se livremente pelas paisagens da terra.

Trad: Manuel João Magalhães
Rosa do Mundo 2001 Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 46

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