2020-10-30

Outono

 

 

 do chão do nosso jardim, outubro, 2020

Vegetal e só

É outono, desprende-te de mim.

Solta-me os cabelos, potros indomáveis
sem nenhuma melancolia, 
sem encontros marcados,
sem cartas a responder.
 
Deixa-me o braço direito, 
o mais ardente dos meus braços, 
o mais azul, 
o mais feito para voar.
 
Devolve-me o rosto de um verão 
sem a febre de tantos lábios, 
sem nenhum rumor de lágrimas 
nas pálpebras acesas.
 
Deixa-me só, vegetal e só, 
correndo como um rio de folhas 
para a noite onde a mais bela aventura 
se escreve exactamente sem nenhuma letra.
 
Eugénio de Andrade, «As palavras interditas», 
Poesia, Fundação Eugénio de Andrade, 2000, p.62

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