2020-04-02

Medidas contra a epidemia

Em 1490, preparavam-se em Évora as festas nupciais do príncipe Afonso, filho de Dom João II, quando, na cidade, surgiu a epidemia que grassava pelo país. Garcia de Resende narra as medidas tomadas pelo rei:


De como el-rei despejou a cidade e mandou meter nela muito gado

Capítulo CXIX

E sendo já feitas muitas e grandes despesas para as ditas festas e as mais principais, por a muita gente que vinha de muitas partes e de Lisboa onde morriam, em Évora ouve rebates de peste.
De que el-rei foi muito triste porque se mais mal fosse, as festas se não poderiam fazer com aquela perfeição que ele tinha ordenado. E por ver se poderia atalhar isto com que a todos tanto pesava, acordou com conselho dos físicos, que antes do antrelunho de Setembro, em que os ares corruptos tinham mais força, toda a gente da cidade e da corte se saísse dela, como logo saiu por espaço de quinze dias. Nos quais el-rei andou fora pelas Alcáçovas e Viana, e esteve na quintã da Oliveira, onde a primeira vez justou, e a gente toda por quintas, herdades, e hortas, e em tendas no campo.
 E a cidade foi cheia de infindo gado vacum sem conto, que de toda a comarca veio e por mandado d' el-rei aí foi trazido, e nela dormia de noite e o metiam ao sol-posto, e já bem de dia o levavam seus donos a comer fora. E porque todas as fazendas dos cortesãos e moradores ficavam dentro na cidade em suas casas e pousadas sem levarem mais que camas e mesas, houve aí grandes guardas, homens de fiança e recado na cidade repartidos pelas ruas, e assim fora dos muros, para que ninguém pudesse entrar nem sair, muitos cavaleiros da guarda que a roldava com que tudo esteve tão seguro, que se não achou menos cousa alguma de quanto na cidade ficou, nem somente fechadura de porta com que se bulisse.
E acabados os quinze dias o gado todo se levou e a cidade foi toda muito limpa e todas as ruas e casas defumadas e caiadas antes d' el-rei entrar nela. E assim no antrelunho de Outubro depois da gente estar dentro, el-rei mandou que todo os escravos e negros que na cidade havia, se saíssem fora por dez dias sob pena de se perderem e assim se fez. E por estas grandes diligências, e principalmente pela piedade de Deus a quem se fizeram juntamente com isso muitas devações e esmolas, a cidade ficou de todo sã, de que el-rei e todos foram muito alegres por se poder fazer nela o que estava ordenado.



Garcia de Resende,  Vida e feitos d' el-rey dom João Segundo
Texto da edição crítica preparada por Evelina Verdelho
Centro de estudos de Linguística Geral e Aplicada (CELGA) Faculdade de Letras Universidade de Coimbra 2007, in

(consultado em 02.04.2020), adaptado,  ortografia atualizada.

 

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