Voltamos, neste novo confinamento, a textos que se relacionam com epidemias.
Em Novos contos da montanha, Miguel Torga mostra-nos um jovem a recuperar da doença (a pneumónica, ou gripe espanhola) que terá provocado mais de 100 000 óbitos no nosso país. O conto começa assim:
«– A Lucinda? – perguntou o Pedro, coberto de suor, lívido, a acabar de sair de uma modorra de morte.
– Está boa… – respondeu a mãe, com a naturalidade que pôde.
– E por que não vem cá?
– Isto pega-se, filho. Ela bem queria; eu é que não consinto…
Uma onda de tristeza, que lhe embaciou a imagem da namorada, atravessou os olhos febris do rapaz. Depois, exausto do esforço de vir à tona do poço, desceu as pálpebras e caiu na sonolência em que vivia há dias.
No princípio da epidemia, de ouvido atento, ia vigiando o mundo através do dobrar do sino. O som a entrar no quarto abafado e ele a inquirir inquieto:
– Quem foi, minha mãe?
– O Belmiro.
– O pai ou o filho?
– O pai.»
Miguel Torga, «Renovo», Novos contos da montanha, in Contos, 5.ª edição conjunta, Alfragilde, Dom Quixote, 2009, p.453
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