2021-02-16

Do toque dos sinos, Miguel Torga

 

Voltamos, neste novo confinamento, a textos que se relacionam com epidemias.

Em Novos contos da montanha, Miguel Torga mostra-nos um jovem a recuperar da doença (a pneumónica, ou gripe espanhola) que terá provocado mais de 100 000 óbitos no nosso país. O conto começa assim:

 

 

«– A Lucinda? – perguntou o Pedro, coberto de suor, lívido, a acabar de sair de uma modorra de morte.

– Está boa… – respondeu a mãe, com a naturalidade que pôde.

– E por que não vem cá?

– Isto pega-se, filho. Ela bem queria; eu é que não consinto…

Uma onda de tristeza, que lhe embaciou a imagem da namorada, atravessou os olhos febris do rapaz. Depois, exausto do esforço de vir à tona do poço, desceu as pálpebras e caiu na sonolência em que vivia há dias.

No princípio da epidemia, de ouvido atento, ia vigiando o mundo através do dobrar do sino. O som a entrar no quarto abafado e ele a inquirir inquieto:

– Quem foi, minha mãe?

– O Belmiro.

– O pai ou o filho?

– O pai.»

Miguel Torga, «Renovo», Novos contos da montanha, in Contos, 5.ª edição conjunta, Alfragilde, Dom Quixote, 2009, p.453

Sem comentários:

Enviar um comentário