2022-10-25

#lerparaapaz MIBE 2022 - 16

 


Parecia que a guerra desalojara a Stalinegrado antiga. Era fácil imaginar como os oficiais alemães saíam das caves, como o marechal de campo andava ao longo destas paredes cobertas de fuligem e as sentinelas se endireitavam à vista dele. Mas seria possível imaginar que foi ali que Aleksandra Vladimirovna comprou fazenda para um sobretudo, o relógio que dera a Marússia no seu dia de anos, que viera ali com Serioja e, na secção de desporto, no primeiro andar, lhe comprara patins?

Provavelmente, é a mesma impressão estranha que têm aqueles que vão visitar Malákhov Kurgan, Verdun, o campo de Borodinó - ver criança, mulheres que lavam a roupa, uma carroça carregada de feno, um velho com um ancinho... Aqui, onde são as vinhas, andaram colunas de poilus, andaram camiões cobertos de lona; lá, onde agora é uma isbá, pasta o gado magro kolkhoziano e há macieiras, passara a cavalaria de Murat; deste sítio, Kutúzov, sentado na poltrona, com um gesto da mão senil, lançava ao ataque a infantaria russa. Em cima do kurgan, onde as galinhas e as cabras poeirentas estão a pastar nas ervas entre as pedras, o almirante Nakhímov esteve parado, daqui voaram as bombas luminosas descritas por Tolstói, aqui os feridos gritavam, as balas inglesas assobiavam.

Vassili Grossman, Vida e destino (c.1961), Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2011,  pp.844-845

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