2022-10-20

#lerparaapaz MIBE 22- 13


 

Um dia, chegou um homem à aldeia, ferido, com a roupa em farrapos sanguinolentos. Suplicou para o esconderem. Eles nem tiveram tempo para pensar  no que fazer. Apareceram soldados, quatro ao todo, pegaram no homem, empurraram-no para uma árvore, uma rajada atordoou os pássaros e as gentes. Enterrem-no, mandaram. E foram embora pelo caminho de onde vieram, sem mesmo beberem água. Enterraram o homem, iam fazer mais como então? Durante dias lamentaram o morto, enterrado sem xinguilamento nem choro de familiares, sem bebida deitada nos caminhos para orientar o espírito. Muitas teorias foram criadas sobre a origem do finado e as causas da sua morte, todas sem comprovação. E temiam que o espírito injustiçado rondasse perto e eles pagassem pelo que não fizeram. Tantas outras coisas sucederam entretanto que foram esquecendo, mesmo o local da sepultura. A Muari não esqueceu, por vezes murmurava, podia ter sido um dos meus filhos.

 Pepetela, Parábola do cágado velho (1997), Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2016, p.37

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