2020-04-04

Da fadiga que a epidemia provoca - Camus





Rieux e os seus amigos descobriram então a que ponto estavam fatigados. Com efeito, os homens das formações sanitárias já não conseguiam digerir esta fadiga. O doutor Rieux apercebia-se disso, observando nos seus amigos e em si próprio os progressos de uma curiosa indiferença. Por exemplo, estes homens que até aqui tinham mostrado um interesse tão vivo por todas as notícias que diziam respeito à peste já não lhes ligavam a menor importância. Rambert, a quem tinham encarregado provisoriamente de dirigir uma das casas de quarentena, instalada havia pouco no seu hotel, conhecia perfeitamente o número daqueles que tinha em observação e estava ao corrente dos mínimos pormenores do sistema de evacuação imediata que tinha organizado para aqueles que mostravam subitamente sinais da doença. A estatística dos efeitos do soro sobre os internados estava gravada na sua memória. Mas era incapaz de dizer o número semanal das vítimas da peste, ignorava se ela progredia ou recuava. E, apesar de tudo, mantinha a esperança de uma evasão próxima.

Albert Camus, A Peste, Lisboa: Livros do Brasil, pp.207-208

Sem comentários:

Enviar um comentário