A cólera tornou-se numa obsessão. Dela
não sabia muito mais do que aprendera na rotina de algum curso marginal, e
parecia-lhe inverosímil que apenas trinta anos antes tivesse causado em França,
inclusive em Paris, mais de cento e quarenta mil mortos. Mas depois da morte do
pai aprendeu tudo quanto se devia aprender sobre os diversos tipos de cólera,
quase como uma penitência para apaziguar a sua memória, e foi aluno do epidemiólogo
mais destacado do seu tempo e criador dos cordões sanitários, o professor
Adrien Proust, pai do grande escritor. De modo que quando regressou à sua terra
e sentiu, ainda no mar, a pestilência do mercado e viu as ratazanas nos esgotos
e os garotos nus a chapinhar nos charcos das ruas, não só compreendeu que a
desgraça tivesse ocorrido como teve a certeza de que se repetiria a qualquer
momento.
Não passou muito tempo. Em menos de um
ano os seus alunos do Hospital da Misericórdia pediram-lhe que os ajudasse com
um doente, recolhido por esmola, que tinha uma estranha coloração azul em todo
o corpo. Ao doutor Juvenal Urbino bastou vê-lo da porta para reconhecer o
inimigo. Mas teve sorte: o doente tinha chegado três dias antes numa escuna de
Curaçau e tinha ido à consulta externa do hospital pelos seus próprios meios,
não parecendo provável que tivesse contagiado alguém. Em todo o caso, o doutor
Juvenal Urbino preveniu os seus colegas, conseguiu que as autoridades dessem o
alarme nos portos vizinhos para que localizassem a escuna contaminada e a
pusessem de quarentena, e teve que moderar o chefe militar da praça que queria
decretar a lei marcial e aplicar imediatamente a terapêutica dos tiros de
canhão de quarto em quarto de hora.
– Economize a sua pólvora para quando
vierem os liberais – disse-lhe de bom humor. – Já não estamos na Idade Média.
Gabriel Garcia Márquez, O amor nos tempos de cólera, Lisboa: Publicações
Dom Quixote, 1987, pp.126-127
Sem comentários:
Enviar um comentário