«Graciosas Senhoras, quanto mais penso
cá comigo e contemplo como são as senhoras naturalmente piedosas, mais concluo
que esta obra lhes parecerá austera e pesada no princípio, assim como o é a
dolorosa lembrança da última peste, com que ela se inicia, para todos os que a
viram ou que de algum outro modo souberam de seus estragos. Mas não quero que
isso as assuste e impeça de prosseguir, como se, lendo houvessem de estar
sempre entre suspiros e lágrimas. Este horripilante início não deve ser
diferente do que é para o caminhante a montanha acidentada e íngreme, atrás da
qual se encontre uma planície belíssima e amena, que lhe parecerá tanto mais
agradável quanto maior tiver sido o padecimento da subida e da descida. E,
assim como os confins da alegria são ocupados pela dor, as misérias têm seus
limites no contentamento que sobrevém.
A este breve aborrecimento (digo breve
porque contido em poucas linhas) seguem-se logo o deleite e o prazer já
prometidos, que talvez não fossem esperados de tal início, caso isto não fosse
dito.»
Bocaccio,
Decameron, in https://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2013/09/1340037-leia-trecho-de-decameron-obra-prima-de-boccaccio.shtml
(acedido em 05.04.2020)
Assim começa a primeira jornada do livro que Giovanni Boccaccio
escreveu no seguimento da Peste Negra que se declarou em Florença em 1348. O Decameron, cuja tradução de Urbano
Tavares Rodrigues para a editora Relógio d’Água pode ser requisitado na nossa
biblioteca, quando abrir, constitui-se num conjunto de contos de amor narrados
durante dez dias por dez jovens (sete raparigas e três rapazes) refugiados da epidemia numa espécie de quarentena dedicada ao amor.
Em 1971, Pasolini realizou um filme a partir da obra que está disponível no you tube.
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