2021-03-13

Da oposição entre a saúde e a economia

 

Durante séculos o contágio das doenças fora defendido e apoiado pelos Estados quando estabeleceram as primeiras quarentenas. Porém, o século XIX viu surgir uma nova geração de cientistas que negaram o contágio das doenças, baseando-se na ineficácia das quarentenas e dos cordões sanitários (especialmente na altura da epidemia de cólera de 1832). Os cientistas defensores do “anticontagionismo” lutaram pela liberdade do indivíduo e do comércio, contra o despotismo e a reação. Verificou-se, assim, numa clara associação entre teorias anticontágio e interesses comerciais, que os governos do norte da Europa, mais liberais e progressistas, avançaram com políticas higienistas, abolindo quarentenas e cordões sanitários, enquanto os do sul da Europa, mais conservadores, mantiveram as práticas correspondentes à teoria do contágio. O Porto, uma cidade liberal, mercantil e em pleno desenvolvimento industrial e comercial, reagiu violentamente contra a autoridade da capital, que o obrigou ao cordão sanitário em todas as epidemias do século XIX. E os seus jornais, por lealdade política e dependência económica, fizeram sempre uma campanha forte e persistente contra as medidas autoritárias impostas pela capital.

 

Maria Antónia Pires de Almeida, As epidemias nas notícias em Portugal: cólera, peste, tifo, gripe e varíola, 1854-1918

In https://www.sanarmed.com/artigos-cientificos/as-epidemias-nas-noticias-em-portugal-colera-peste-tifo-gripe-e-variola-1854-1918   Consultado em março de 2021

 

Do combate à pneumónica

 

Sobre a gripe espanhola ou pneumónica um relatório de Ricardo Jorge, em 1918, refere que “não se oferece profilaxia efetiva e eficaz a exercer contra tal epidemia que não seja a higiene geral e assistência dos atacados preferentemente em hospital de isolamento” (O Comércio..., 25 set. 1918, p.1). Mais tarde, as feiras e os mercados foram proibidos e as escolas só iniciaram o ano letivo depois do dia 28 de novembro. Cada município foi dividido em zonas médicas e farmacêuticas, e as receitas nas farmácias eram grátis para os pobres. As farmácias funcionaram em horário alargado e deveriam estar fornecidas com os medicamentos necessários: aspirina, sais de quinino, de amónia e purgantes; cafeína, ampolas de óleo de cânfora, sementes de mostarda e de linhaça, entre outros. E às “pessoas caritativas e remediadas” era-lhes pedido que criassem “comissões de socorro” para “acudir aos necessitados” (O Comércio..., 1 out. 1918, p.2). Nesse ano não há referência ao uso de máscaras faciais por parte dos profissionais de saúde em Portugal; apenas uma notícia sobre São Francisco, na Califórnia, cujos “habitantes trazem umas máscaras apropriadas, tanto na rua, como nos estabelecimentos comerciais, para os preservarem dos efeitos dos micróbios do ar” (O Comércio..., 17 dez. 1918, p.1).»

 

Maria Antónia Pires de Almeida, As epidemias nas notícias em Portugal: cólera, peste, tifo, gripe e varíola, 1854-1918

In https://www.sanarmed.com/artigos-cientificos/as-epidemias-nas-noticias-em-portugal-colera-peste-tifo-gripe-e-variola-1854-1918   Consultado em março de 2021

 

2021-03-02

Do que se faz depois

 

Passou um ano desde o primeiro caso de Covid-19 em Portugal.

Agora, voltamos a ver os casos a diminuir e a ter esperança num desconfinamento breve e seguro. Mais uma vez, sonhamos com o fim da pandemia, pelo que também valerá a pena ter presente a lição histórica sobre como procedem as pessoas em fins de pandemia. Jean Delumeau, voltamos a este autor, informa-nos das reações das comunidades em dois períodos diferentes da História:

Em Marselha, desde novembro de 1720, era uma verdadeira “mania”: «Não ficamos menos surpresos, naquele tempo, de ver uma quantidade de casamentos no povo […] O furor de casar-se era tão grande que um dos casados que não tivera a doença do tempo desposava muito bem sem dificuldade o outro cujo bubão mal se fechara; assim, viam-se muitos casamentos empestados».

No século XIV, no final da Peste Negra também parece que o medo rapidamente se esquecia, como dá notícia um contemporâneo:

Quando a epidemia, a pestilência e a mortalidade tinham cessado, os homens e as mulheres que restavam casavam-se sucessivamente. As mulheres sobreviventes tiveram um número extraordinário de filhos […] Ai! Dessa renovação do mundo, o mundo não saiu melhorado. Os homens foram depois ainda mais cúpidos e avaros, pois desejavam bem mais do que antes; tornados mais cúpidos, perdiam o repouso nas disputas, nos ardis, nas querelas e nos processos.

In Jean Delumeau, História do medo no Ocidente, 1300-1800 uma cidade sitiada, São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.150

Filosofia na escola



Os alunos de  Filosofia das turmas CT1, CT4 e CT5 do 11.º ano estão a construir,  desde o princípio do ano, um mural  intitulado "A Filosofia na Escola". Neste mural colaborativo, entre turmas, os alunos participam respondendo a questões, vídeos, textos, publicação de trabalhos.

Aprender e ser


 

Os alunos do 11.ºAI do curso profissional de Apoio à Infância desenvolveram, na disciplina de Psicologia, desde o início do ano, este mural, com a publicação de vídeos, pequenas questões, imagens, nuvens de palavras que abordam variados temas desde a Aprendizagem Social, a Discriminação, os Direitos Humanos. 





2021-02-25

Da importância da medicina

 

Em situação de epidemia, a medicina é chamada e, mesmo em tempos recuados, o poder político pede a opinião aos médicos. É o caso do rei de França, Filipe VI, que pede um parecer à Faculdade de Medicina de Paris, que torna público, em 1348, no auge da Peste Negra, um Compendium de Epidemia.

E mesmo no século XIV, numa época em que a medicina ainda é muito incipiente, o médico da corte papal de Avinhão, Guy de Chaulliac, reconheceu «a existência das duas formas de doença, a pulmonar e a bubónica».De qualquer modo, a medicina ainda não tinha condições de encontrar uma cura para a Peste Negra. Os remédios principais que são aplicados individualmente são a flebotomia [sangria] e os cautérios [queima] aplicados aos bubões, bem como algumas prescrições farmacológicas. A maior parte das prescrições […] é de tipo preventivo. O conselho de fugir à primeira manifestação da epidemia e de só regressar quando terminasse era apenas uma das formas extremas. No plano coletivo, tentam-se formas ainda insuficientes de isolamento das doentes e das mercadorias provenientes das zonas suspeitas e tomam-se medidas de limpeza viradas para a purificação dos «ares» corruptos.

Maria Conforti, «A Peste Negra» in Idade Média – Castelos, mercadores e poetas, dir. Umberto Eco, Alfragilde: Dom Quixote, 2014, p.538

2021-02-22

Do não acreditar na doença

 Com um ano de pandemia, já vimos um pouco de tudo. E do que vemos hoje muito já nos foi contado pela História. por exemplo, Jean Delumeau na sua História do Medo no Ocidente, conta-nos da incredulidade dos parisienses face à epidemia de cólera que grassava em Paris em 1832, a partir de um testemunho contemporâneo:

Como era a terceira quinta-feira da quaresma, como fazia um belo sol e um tempo encantador, os parisienses agitavam-se com tanto mais jovialidade nos bulevares, onde se viram até máscaras que, parodiando a cor doentia e a figura desfeita, zombavam do temor do cólera e da própria doença. Na noite do mesmo dia, os bailes públicos foram mais frequentados do que nunca: os risos mais presunçosos quase encobriam a música brilhante; as pessoas excitavam-se muito com o chahut, dança mais que equívoca; devorava-se toda a espécie de sorvetes e de bebidas frias quando, de súbito, o mais alegre dos arlequins sentiu demasiado frescor nas pernas, tirou a máscara e revelou para espanto de todo mundo um rosto de azul violeta.

in Jean Delumeau, História do Medo no Ocidente 1300-1800 uma cidade sitiada, São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.119

2021-02-16

Do toque dos sinos, Miguel Torga

 

Voltamos, neste novo confinamento, a textos que se relacionam com epidemias.

Em Novos contos da montanha, Miguel Torga mostra-nos um jovem a recuperar da doença (a pneumónica, ou gripe espanhola) que terá provocado mais de 100 000 óbitos no nosso país. O conto começa assim:

 

 

«– A Lucinda? – perguntou o Pedro, coberto de suor, lívido, a acabar de sair de uma modorra de morte.

– Está boa… – respondeu a mãe, com a naturalidade que pôde.

– E por que não vem cá?

– Isto pega-se, filho. Ela bem queria; eu é que não consinto…

Uma onda de tristeza, que lhe embaciou a imagem da namorada, atravessou os olhos febris do rapaz. Depois, exausto do esforço de vir à tona do poço, desceu as pálpebras e caiu na sonolência em que vivia há dias.

No princípio da epidemia, de ouvido atento, ia vigiando o mundo através do dobrar do sino. O som a entrar no quarto abafado e ele a inquirir inquieto:

– Quem foi, minha mãe?

– O Belmiro.

– O pai ou o filho?

– O pai.»

Miguel Torga, «Renovo», Novos contos da montanha, in Contos, 5.ª edição conjunta, Alfragilde, Dom Quixote, 2009, p.453